Análise do estado da conectividade ecológica em nível Pan-Amazônico

PROTEGER A CONECTIVIDADE NA AMAZÔNIA PARA GARANTIR A RESILIÊNCIA CLIMÁTICA E O FUTURO DO PLANETA

COP30: A Amazônia como centro da crise e a solução climática

A RAISG e a Aliança Norte Amazônica (ANA), duas redes regionais amazônicas, estão unindo forças para desenvolver estudos sobre o tema da conectividade. Nesta página você encontrará os resultados das análises realizadas de forma colaborativa, com o intuito de posicionar a importância de uma Amazônia bem conectada, para a proteção da biodiversidade, regulação climática e resiliência global.

O QUE É CONECTIVIDADE?

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QUANTO A CONECTIVIDADE FOI PERDIDA E O QUE ESTÁ EM RISCO?

A fragmentação da Amazônia aumenta ano após ano. As atividades agrícolas, a mineração e a extração indiscriminada de madeira, entre outras atividades, afetam as florestas e os rios e, assim, quebram a conectividade ecológica.

Pan-Amazônia mostra mudanças de conectividade entre 1985 e 2023

Como ler este mapa?

A perda e a redução da conectividade ecológica é vista neste mapa pelas cores cinza (conectividade perdida) e bege (conectividade reduzida) que estão aumentando ano após ano, enquanto a cor verde (que representa áreas de alta conectividade) está diminuindo.

Para 2023:

16,3%

da Amazônia perdeu a conectividade ecológica

(140.074.911 ha

12,2%

mostraram uma redução na conectividade ecológica

(104.814.109 ha)

Ao analisarmos os dados por país, observa-se que o Brasil foi o que apresentou a maior perda de conectividade, enquanto as Guianas, o Suriname e a Venezuela registram as maiores taxas de alta conectividade.

Ao analisarmos os dados por país, observa-se que o Brasil foi o que apresentou a maior perda de conectividade, enquanto as Guianas, o Suriname e a Venezuela registram as maiores taxas de alta conectividade.

O QUE ESTÁ EM JOGO?

A perda da conectividade amazônica ameaça as funções e os serviços da floresta tropical mais extensa e melhor conservada do planeta, assim como do maior e mais diverso sistema de água doce. Está em jogo muito mais do que um território: está em jogo o equilíbrio mundial.

O papel fundamental da Amazônia na regulação do clima e do ciclo da água, em escala regional e global, bem como seu papel essencial no armazenamento de carbono, cuja perda poderia acelerar o aquecimento global.

A resiliência e a biodiversidade da Amazônia enquanto sistema vital para os países da região e para o planeta.

A segurança alimentar, hídrica e energética das 47 milhões de pessoas que habitam a região amazônica, além das populações de outras áreas do continente.

A saúde das populações amazônicas e de outras regiões, diante da propagação de patógenos, do surgimento de zoonoses e do enfraquecimento dos mecanismos naturais de regulação da saúde.

A continuidade das relações bioculturais e dos sistemas de conhecimento indígena e local, essenciais para a resiliência e a biodiversidade da bacia, assim como das práticas que têm demonstrado eficácia na manutenção da conectividade ecológica.

A efetividade das estratégias nacionais voltadas aos Territórios Indígenas (TI) e às Áreas Naturais Protegidas (ANP) na conservação dos ecossistemas.

O cumprimento dos compromissos internacionais e dos marcos de desenvolvimento sustentável assumidos pelos países da região.

A estabilidade política, a governança territorial e a segurança jurídica, frente ao avanço das economias ilegais.

EM QUAIS ÁREAS A CONECTIVIDADE AINDA É MANTIDA?

As Terras Indígenas (TI) e Áreas Naturais Protegidas (ANP) são fundamentais para manter a conectividade na Amazônia.

As TI e ANP apresentam maior conectividade em relação às áreas sem proteção formal; contudo, enfrentam o risco de desconexão em relação a outras áreas florestais, o que pode comprometer sua funcionalidade ecológica e capacidade de resiliência.

Situação da conectividade, dos territórios indígenas e das áreas naturais protegidas

Área total ANP: 240’047.375,8 ha

Área total TI: 193’135.651 ha

Como ler este mapa?

Ano após ano, vemos a Amazônia perdendo sua conectividade. As cores cinza e bege, que indicam áreas de perda de conectividade ou conectividade reduzida, respectivamente, avançam em relação ao verde (áreas de alta conectividade). A perda e redução da conectividade é mais intensamente observada fora das TI (indicadas pelas áreas hachuradas em verde) ou ANP (áreas hachuradas em laranja).

Cerca de 50% da Pan-Amazônia está sob alguma forma de proteção (Áreas Naturais Protegidas (ANP) ou Terras Indígenas (TI)), mas apenas 65,5% dessas áreas têm alta conectividade ecológica tanto dentro quanto em sua zona de influência (buffer).

Em 2023, apresentavam perda de conectividade ecológica dentro ou em sua área de influência em

50%

das ANP

31%

dos TI

Resultado:

103 milhões de hectares (23,8% da área total sob alguma forma de proteção) têm suas dinâmicas ecológicas afetadas.

O avanço das atividades econômicas rompe a conectividade das Terras Indígenas e Áreas Naturais Protegidas com o entorno. Essa dinâmica de perda de conectividade se estende aos polígonos das Unidades de Conservação, comprometendo a conectividade interna dessas áreas. As Terras Indígenas, por sua vez, conseguem manter maior integridade ambiental, mas podem se tornar ilhas isoladas, sem conexão com outras áreas florestais.

 

As Terras Indígenas (TI) são eficazes na manutenção da conectividade. Os sistemas de conhecimento e governança territorial desses povos mantêm  a conectividade estrutural e funcional em 93% da área sob essa figura (mais de 182 milhões de hectares). No entanto, essas áreas correm alto risco de se tornarem polígonos isolados ao perder sua conectividade com outras áreas florestais. A forma de uso e gestão a partir dos sistemas de conhecimento dos povos indígenas, aliada às estratégias de monitoramento, controle e vigilância comunitária, contribui para que essas áreas permaneçam bem conectadas e protegidas.  

A perda de conectividade nas Áreas Naturais Protegidas (ANP) ameaça a resiliência da floresta. Essa perda  permeia os próprios polígonos dessas estratégias de conservação: em cerca de 22 milhões de hectares, a conectividade foi perdida ou reduzida em áreas sob estas figuras (10% da área total que elas abrangem).

QUAL É O ESTADO DA CONECTIVIDADE EM TERRITÓRIOS INDÍGENAS E ÁREAS NATURAIS PROTEGIDAS?

A perda de conectividade ecológica é mais acentuada em Áreas Naturais Protegidas do que em Terras Indígenas.

Esta figura  representa a perda de conectividade ecológica entre 2005 e 2023. Cada ponto representa o percentual de perda de cada Área Natural Protegida (vermelho) e Terras Indígenas (verde), tanto dentro de seu polígono quanto fora e as caixas cinza representam onde se concentra o maior número de Áreas Naturais Protegidas e Terras Indígenas.  

Os resultados mostram que, embora uma grande proporção de ANP e TI mantenha alta conectividade ecológica interna, as áreas de influência das ANP apresentam menor proporção de alta conectividade em comparação com as das TI. Isso sugere uma maior vulnerabilidade das ANP diante de processos de transformação e perda da integridade ecológica decorrentes de atividades socioeconômicas, o que reduz sua resiliência e capacidade adaptativa em cenários de mudanças globais.

Observa-se também que a porcentagem média de perda de conectividade é maior dentro das Áreas Naturais Protegidas do que nas Terras Indígenas; da mesma forma, a perda fora das áreas de influência é maior nas Áreas Naturais Protegidas do que nas Terras Indígenas. Em síntese, a perda de conectividade ecológica é mais acentuada nas Áreas Naturais Protegidas do que nas Terras Indígenas, enquanto as áreas de influência (buffer) das TI são menores do que nas ANP.

AS TERRAS INDÍGENAS E ÁREAS NATURAIS PROTEGIDAS TAMBÉM ESTÃO AMEAÇADAS

Embora as Terras Indígenas e as Áreas Naturais Protegidas geralmente mantenham suas florestas, em algumas regiões elas estão se tornando ilhas cercadas por pastagens, lavouras, mineração, estradas, entre outros.

Nos últimos 38 anos, as Terras Indígenas e Áreas Naturais Protegidas, apresentaram uma tendência de perda de conectividade com as florestas do entorno.

Essa perda não torna vulneráveis  apenas esses territórios, mas toda a região. A Amazônia reduz sua capacidade de regular o clima e os ciclos da água nos níveis regional e global.

TI e ANP com perda de conectividade

Como ler este mapa?

No mapa, os polígonos verdes correspondem a áreas de conservação onde a conectividade ecológica é alta tanto no interior quanto em sua área de influência (buffer). Os polígonos em laranja indicam áreas onde, embora a conectividade ecológica interna permaneça alta, observa-se uma redução ou perda de conectividade associada às atividades econômicas no buffer. Por fim, os polígonos vermelhos representam as unidades de manejo onde a transformação da cobertura natural em cobertura antrópica tem sido tão intensa que gerou fragmentação na paisagem, desencadeando a perda total ou diminuição significativa da conectividade ecológica.

As áreas de influência dos Territórios Indígenas e Áreas Naturais Protegidas são  essenciais para identificar o avanço das pressões enfrentadas por esses territórios. Portanto, a conectividade ecológica foi analisada tanto dentro de cada polígono quanto em sua área de influência (buffer), de forma independente, mas complementar.

Por quase 40 anos, a redução ou perda de conectividade ecológica dentro de Territórios Indígenas e Áreas Naturais Protegidas permaneceu abaixo de 10% em cada caso. 

Em contraste, fora destas figuras de proteção, a velocidade da mudança no estado da conectividade ecológica tem sido muito maior; o que implica que essa propriedade dos ecossistemas foi reduzida ou perdida em mais de 169 milhões de hectares (38,3%) em comparação com as condições de 1985. 

Em 2023, nos territórios que estão fora das TI ou das ANP, na região da pan amazônia, a perda total de conectividade ultrapassou em 24% (63.086.368 ha) e em 31% (106.124.751 ha) dessas áreas houve uma redução parcial.

Estas figuras de proteção são uma garantia para manter a conectividade. Em 42% das florestas estáveis da Amazônia, que não estão sob estas figuras, correm o risco de avançar em atividades ilegais.

Uma metodologia inovadora para manter a conectividade e priorizar ações de restauração e conservação em regiões estratégicas:
Quais áreas priorizar e com quais critérios?

É possível reconectar áreas que estão se desconectando por meio de esforços de restauração em áreas prioritárias, além de garantir a conservação de áreas bem conectadas. 

Essa metodologia de zoneamento, com perspectiva de conectividade, é uma nova contribuição para a tomada de decisões, pois oferece uma estratégia para priorizar áreas a serem restauradas.

TI e ANP isoladas e áreas prioritárias para conservação e restauração

Este estudo oferece um zoneamento para identificar áreas prioritárias nas quais é urgente tomar medidas para garantir a conectividade. Algumas dessas medidas consistem na identificação de corredores, seja entre trechos de floresta em boas condições, que permitem a circulação de espécies, ou entre várias figuras de proteção para formar e consolidar áreas prioritárias para conectividade.

Esses corredores e áreas prioritárias para conectividade são fundamentais para garantir a adaptação em cenários de mudanças climáticas.

Esta metodologia se concentra em avaliar dois cenários para definição de critérios claros para permitam identificar essas áreas prioritárias para conectividade:

A.

Cenários em que há um alto risco associado à perda de conectividade.

B.

Cenários bem preservados que mantêm sua conectividade e, portanto, são importantes para proteger a conectividade em uma escala mais ampla.

A metodologia possibilita a identificação de áreas favoráveis à mobilidade de grandes mamíferos,  por meio da análise de corrente concentrada. Essas áreas devem ser largas e curtas (cerca de 6 km) para atender as necessidades dos mamíferos de grande porte. A sobreposição de critérios que contemplam a intersecção entre fatores ecológicos e dinâmicas derivadas da dimensão social – como estradas, zonas de mineração, hidrovias – permite destacar as implicações das atividades antrópicas não apenas no aspecto físico da paisagem, mas também na tomada de decisões associadas à conectividade ecológica. Ao identificar áreas de alta prioridade devido ao bom estado da conectividade, bem como áreas de conectividade reduzida, o mapeamento de zonas prioritárias para a conservação e/ou restauração contribui com recomendações concretas para os tomadores de decisão. Embora seja possível recuperar a conectividade por meio da restauração, esse é um processo caro e de longo prazo, por isso é mais eficaz garantir e manter florestas saudáveis como os principais núcleos para estratégias de conectividade em nível local.

Essa abordagem é especialmente relevante para a tomada de decisões em nível local, pois o zoneamento com uma perspectiva de conectividade permitiria tomar decisões oportunas para garantir a viabilidade funcional dos ecossistemas. Tal enfoque facilita a identificação de áreas de alta conectividade que podem servir como ponte entre áreas onde a conectividade está sendo perdida, bem como áreas que demandam  ações urgentes de restauração  para evitar que a conectividade seja perdida. Por esse motivo, apresentamos  abaixo casos ilustrativos específicos por país.

O exercício de análise, realizado por meio de estudos de caso por país, e apoiado em um processo metodológico cujos resultados foram corroborados com as equipes territoriais atuando diretamente em cada área, permitiu confirmar que a metodologia utilizada é altamente precisa, bem como replicável e escalável.

CASOS EM TERRITÓRIOS ESPECÍFICOS PARA ZONEAMENTO SOB A PERSPECTIVA DA CONECTIVIDADE

Estudos de caso por país:

Bolívia - Caso Lomerío e Monte Verde, região Chiquitana de Santa Cruz:

Os TIOC (Território Indígena Originário Camponês), reconhecidos no planejamento territorial boliviano, representam espaços onde os povos e nações camponesas indígenas originárias exercem autonomia, autogoverno e gestão territorial de acordo com suas próprias normas, instituições e formas de organização. O TIOC Lomerío, habitado pelo povo Monkoxi, e o TIOC Monte Verde, ainda com grandes áreas florestais, estão localizados na região de Chiquitana, em Santa Cruz, Bolívia. Embora Lomerío esteja fragmentado,  mantém remanescentes de floresta seca com potencial de restauração, enquanto Monte Verde foi severamente afetado por queimadas recentes que enfraqueceram suas funções ecológicas.

Ambos os territórios fazem parte de um mosaico de ecossistemas estratégicos que conectam florestas secas, cerrados e zonas de transição à Amazônia.

A conectividade ecológica entre esses territórios e as áreas protegidas próximas é essencial para a mobilidade de espécies-chave como a onça-pintada, a anta (conhecida em outras áreas como tapir) e o caititu também conhecido como porco-do-mato, bem como para a regeneração natural da flora (Áreas  Tropicais Importantes de Plantas – TIPA). No entanto, esses corredores enfrentam ameaças crescentes devido à expansão agrícola, incêndios florestais e atividades extrativistas que fragmentam a paisagem e colocam em risco a biodiversidade e os modos de vida tradicionais.

Diante desses desafios, ambos os TIOC promovem a vigilância comunitária e apoiam iniciativas de conservação, como a iniciativa da onça-pintada em Monte Verde. Eles também estão comprometidos com modelos sustentáveis de gestão territorial baseados no conhecimento indígena. Nesse contexto, o fortalecimento dos corredores bioculturais – que combinam restauração ecológica e revitalização cultural – é proposto como uma estratégia fundamental para a sustentabilidade regional e a defesa dos territórios indígenas diante das mudanças climáticas e da pressão extrativista.

Brasil: O Corredor da Biodiversidade e o Desafio das Cabeceiras do Xingu

O Corredor da Diversidade Socioambiental do Xingu é uma das fronteiras de conservação mais importantes do planeta, atuando como o elo vital entre os biomas Amazônia e Cerrado. Sua integridade é essencial para processos ecológicos em larga escala, garantindo o fluxo gênico e a movimentação de espécies-chave, como a onça-pintada. No entanto, a região das cabeceiras do Xingu, onde nascem os rios, está sob intensa pressão da expansão agropecuária, resultando em uma fragmentação crítica da paisagem.

Essa fragmentação acelerada nas cabeceiras representa um risco direto à segurança hídrica e biológica de todo o corredor, com o desmatamento ameaçando a funcionalidade da rede ecológica.

O estudo da conectividade mostra que o Xingu possui “artérias” (corredores preferenciais) e “gargalos” (pontos vulneráveis), vitais para a circulação da vida. A análise, portanto, busca mapear com precisão essas áreas, diferenciando os remanescentes florestais por sua real importância para a sobrevivência e resiliência de todo o ecossistema.

Os resultados desta análise oferecem uma Matriz Estratégica para a tomada de decisão, identificando áreas de zonas de “Ativos Ambientais de Alto Desempenho” e áreas de “Restauração Crítica” (CRA), que são passivos que estrangulam a conectividade. Assim, este trabalho fornece o roteiro para direcionar os investimentos em conservação e restauração de forma estratégica, financeira e ecológica. É fundamental destacar que a metodologia utilizada é altamente replicável e escalável, o que abre as portas para sua aplicação em toda a Bacia do Xingu, transformando a conformidade legal em ganhos ecológicos significativos e garantindo a sustentabilidade de longo prazo de toda a bacia.

Colômbia: Conectividade ecológica entre o Parque Nacional Natural Serranía del Chiribiquete e a Área de Manejo Especial Macarena (AMEM)

A conectividade ecológica entre o Parque Nacional Natural Serranía del Chiribiquete e a Área de Manejo Especial Macarena (AMEM) – que integra Parques Naturais Nacionais, Distritos de Manejo Integrado, Reservas Florestais, Territórios Indígenas e Reservas Camponesas – é essencial para manter a conectividade entre os biomas Amazônia-Andes e Orinoquía. Essas áreas também têm uma alta relevância sociocultural, pois constituem territórios de grande importância para inúmeras comunidades camponesas e indígenas.

Apesar de seu valor ecológico e cultural, os departamentos de Caquetá e Guaviare estão experimentando a expansão das atividades econômicas que estão degradando os ecossistemas e afetando os serviços de suporte à vida.

Esse padrão se acelerou em cenários pós-conflito armado (2017), resultando no fato de que as áreas naturais com maior conectividade correm o risco de desaparecer, desconectando os Andes e a Amazônia.

Com base no estudo da conectividade ecológica na Pan-Amazônia realizado pela RAISG, e no processo de zoneamento para a conservação e restauração da conectividade ecológica, foram identificadas áreas que possibilitam a continuidade dos fluxos de espécies e conectividade de habitat neste elo de conectividade entre os Andes, a Orinoquía e a Amazônia. Essas áreas estão localizadas principalmente ao norte da PNN da Serranía del Chiribiquete, que constitui a entrada para as florestas tropicais úmidas de terra firme, no lado leste da PNN da Sierra de La Macarena e ao norte dos PNN de Tinigua e Cordilheira de Los Picachos, uma zona de transição de florestas e sopé andino.

Equador: Transição Andino-Amazônica

A conectividade ecológica entre a região andina e a Amazônia é essencial para preservar a funcionalidade do ecossistema e a estabilidade climática regional.

Esses dois biomas não estão apenas geograficamente ligados, mas também mantêm uma interdependência crítica: sua conexão permite o fluxo de nutrientes, espécies, genes e serviços ecossistêmicos, bem como a regulação da água e do clima, essenciais para a resiliência de ambos os biomas.

A perda dessa conectividade compromete a saúde de ambos os sistemas, afetando a biodiversidade, os meios de subsistência locais e a capacidade de adaptação às mudanças climáticas.

Na região Andino-Amazônica equatoriana, os corredores identificados apresentam áreas prioritárias para conservação e restauração, que atuam como zonas de transição entre os ecossistemas de sopé de montanha andina e os vales amazônicos. Essas áreas enfrentam pressões crescentes que comprometem sua conectividade ecológica, principalmente devido à expansão da infraestrutura viária, ao avanço da fronteira agrícola e ao aumento das atividades extrativistas. Além disso, essas áreas se sobrepõem a territórios de várias nacionalidades indígenas, como os Cofán, Shuar, Kichwa e Secoya, cujas práticas ancestrais de manejo territorial são pilares fundamentais para a conectividade cultural e ecológica, uma vez que seus sistemas de conhecimento implicam em uma gestão adequada do território. A preservação desses conhecimentos e modos de vida, profundamente ligados à natureza, é essencial para garantir a resiliência socioecológica desses corredores.

Grandes esforços foram feitos em nível nacional para proteger os ecossistemas naturais e manter a conectividade ecológica na região Andina. No entanto, vale destacar os esforços que os governos subnacionais vêm realizando, em consonância com os povos indígenas e comunidades locais, para manter e fortalecer a conectividade ecológica entre esses dois biomas.

Peru: Área dos Territórios Indígenas Kakataibo na selva central do Peru, Huánuco e Ucayali

A área das Terras Indígenas Kakataibo, localizada na zona de transição entre a Amazônia e a serra andina, cobre principalmente partes dos departamentos dos corredores identificados e se estende entre as bacias dos rios Aguaytía, San Alejandro, Zungaruyacu e Pachitea, afluentes do Ucayali. Isso mostra a necessidade urgente de restaurar áreas de quase desconexão (tesselas de restauração), que ainda funcionam como pontes entre territórios indígenas, áreas de conservação próximas e ecossistemas de transição andino-amazônicos.

Esses espaços são vitais para a mobilidade da onça-pintada (Panthera onca), do porco-do-mato (Tayassu pecari) e do macaco-barrigudo (Lagothrix lagotricha), sustentando processos ecológicos fundamentais, como a regeneração da flora.

Sua restauração é uma prioridade diante da crescente pressão da agricultura e do desmatamento, pois garante a resiliência ecológica e cultural, garantindo os meios de subsistência e as práticas tradicionais dos povos Kakataibo e outras comunidades indígenas da região

Além disso, essa área também conta com a presença de povos indígenas em isolamento e contato inicial (PIACI), para o qual foi solicitada sua proteção legal como reservas indígenas.

Venezuela: Caso dos tepuyes (chapada) como ilhas em conectividade ecológica, entre barreiras naturais e barreiras criadas

No extremo norte da Amazônia, o Escudo das Guianas é uma das paisagens mais antigas e únicas do planeta. Suas formações de tepuyes, chapadas abruptas de arenito e quartzito que emergem entre 1.500 e 3.000 metros acima do nível do mar, funcionam como barreiras naturais dentro do sistema amazônico de florestas contínuas. Essas formações constituem a Província Biogeográfica de Pantopui, um “arquipélago” de picos descontínuos, cujo isolamento geográfico impulsionou os processos de especiação. Essas “ilhas” biogeográficas favoreceram altos níveis de endemismo e diferenciação ecológica, criando microecossistemas onde a vida evoluiu isoladamente por milhões de anos.

Embora sua estrutura limite a mobilidade de algumas espécies entre picos e vales, esses sistemas também mantêm corredores altitudinais que permitem a adaptação das espécies às mudanças climáticas e a conexão funcional entre a floresta amazônica e os ecossistemas montanhosos do Escudo das Guianas.

No entanto, além das barreiras naturais, existem barreiras antrópicas que fragmentam a conectividade ecológica. Na Venezuela, as barragens hidrelétricas, a expansão da mineração e a infraestrutura associada aos projetos do Arco Minero del Orinoco mudaram significativamente a paisagem. Essas transformações interrompem os fluxos de água, alteram os corredores da vida selvagem e degradam áreas que antes atuavam como zonas de conexão entre as bacias.

A conectividade do Escudo das Guianas – chave para a estabilidade ecológica e climática do norte da Amazônia – está, portanto, tensa entre as barreiras naturais que estruturam a diversidade e as barreiras humanas que a quebram.

A atual distribuição das espécies está sendo afetada pelo aquecimento global (estima-se um aumento  de 2 a 4 °C até 2100), o que representa um desafio crítico para sua conservação. O alto gradiente térmico indica que as espécies sensíveis a baixas temperaturas terão que subir entre 500 e 700 metros para encontrar condições térmicas adequadas (Safont et al 2014). Como a maioria das chapadas não permite alcançar altitudes mais elevadas, a persistência a longo prazo desses ecossistemas dependerá de estratégias de refúgio e da mitigação das mudanças climáticas.

Diante desse cenário, os esforços de conservação devem se concentrar na manutenção dos corredores funcionais que ainda ligam as chapadas, cerrados  e florestas de várzea, promovendo a restauração ecológica em áreas impactadas por barragens ou mineração. Isso implica integrar conhecimentos científicos e locais para proteger os fluxos ecológicos e culturais que fazem desta região um dos núcleos mais singulares da conectividade amazônica.

Por que as rodovias que conectam mercados estão fragmentando as florestas?

Atualmente, na Pan-Amazônia existem mais de 175.000 km de estradas construídas, das quais mais de 14.000 km atravessam o interior de Áreas Naturais Protegidas (ANP) e quase 11.000 km atravessam Terras Indígenas (TI).

O projeto de rotas de integração regional é uma grande ameaça para a Amazônia, pois estima-se que mais de 4.900 km das estradas projetadas atravessarão coberturas naturais, como florestas e pradarias, incluindo 1.255 km que impactariam as florestas mais bem preservadas da região (florestas estáveis de acordo com a RAISG). A projeção dessas estradas estima que elas cobrirão mais de 12.000 km de áreas com alta conectividade ecológica

As rodovias que conectam os mercados não podem desconectar as florestas. Os projetos rodoviários, ferroviários e hidroviários na região, com o objetivo de reduzir os custos de transporte de produtos da América do Sul para outros continentes, se intensificaram nos últimos anos. A construção de cada quilômetro de rodovia gera, em média, até 310 ha de barreiras físicas (perda de conectividade) e 232 ha de áreas com degradação funcional (conectividade reduzida).

As estradas são impulsionadoras do desmatamento e facilitam o avanço das atividades econômicas, o que leva ao aumento da desconexão ecológica

Para ilustrar esse impacto, este estudo aborda dois casos específicos no Brasil:

Estudo Caso Xingu

Este estudo constatou que houve um aumento no desenvolvimento de estradas no setor oeste do Xingu, uma vez que até 2023 havia cerca de 41.598 km de estradas construídas. Isso representa um aumento de 243,8% em relação a 1985, quando foram construídos 29.501 km de estradas. Verificou-se que, em média, para cada quilômetro de estrada construída neste setor, a conectividade ecológica é perdida em 490,4 ha e a conectividade é reduzida em 396,9 ha.

Estudo Caso Porto Velho

Para o trecho rodoviário entre Porto Velho e Rio Branco, em 2023 havia 33.009 km de vias, com um aumento desde 1985 de 474,3% (27.263 km construídos desde 1985). O estudo constatou que, em média, para este setor, para cada quilômetro de estrada construída, a conectividade ecológica é perdida em 129,8 ha e a conectividade é reduzida em 66,9 ha.

COMO PROTEGER A CONECTIVIDADE AMAZÔNICA

É vital salvaguardar a conectividade da Amazônia, para isso é necessário: 

1.
Eliminar totalmente o desmatamento, a degradação e as queimadas criminosas até 2030. O colapso da Amazônia e do clima global será uma realidade se não conservarmos pelo menos 80% das florestas amazônicas. Para isso, é crucial desenvolver estratégias para eliminar o desmatamento e reduzir efetivamente a frequência, intensidade e gravidade das queimadas.
2.
Preencher lacunas de proteção em áreas estratégicas com perspectiva de conectividade por meio da criação de corredores entre Territórios Indígenas (TI), territórios coletivos comunitários, Áreas Naturais Protegidas (ANP) e outras figuras de conservação e/ou uso sustentável dos Andes à Amazônia, por meio da articulação, titulação, criação e fortalecimento da efetividade na gestão dessas áreas. Sem essas medidas, 42% das florestas mais bem preservadas da Amazônia sem medidas de proteção correm o risco de desaparecer.
3.
Criar e financiar um programa regional de restauração de corredores ecológicos e reconexão de biomas em áreas estratégicas, utilizando métodos adequados à realidade amazônica, com abordagem participativa e inclusiva. Atualmente, existem 500.000 km2 (na Amazônia que precisam ser restaurados).
4.
Estabelecer espaços para a participação efetiva das comunidades locais no planejamento, formulação de políticas e tomada de decisões na região, garantindo a aplicação dos protocolos de consulta prévia, livre e informada. A governança inclusiva e a cogestão dos territórios mantêm a saúde dos ecossistemas e impulsionam as economias locais.
5.
Promover uma sociobioeconomia que conserve os ecossistemas terrestres e aquáticos e promova iniciativas comunitárias como condição fundamental para aliar conservação da biodiversidade, bem-estar dos povos amazônicos (urbanos e rurais), geração de renda e desenvolvimento sustentável. Para isso, é necessário priorizar políticas que articulem os saberes e práticas dos povos amazônicos e seus sistemas produtivos com a ciência, promovendo o desenvolvimento de tecnologias inovadoras que conservem ou regenerem ecossistemas, ao mesmo tempo em que geram benefícios.
6.
Acordar critérios regionais para avaliar a viabilidade socioeconômica e os riscos socioambientais dos projetos de infraestrutura, considerando a proteção da conectividade como critério central na tomada dessas decisões. As rotas de integração regional que conectam os mercados não podem desconectar florestas e rios.
7.
Impedir o avanço de atividades ilegais, crimes ambientais e crime organizado para garantir a estabilidade política, a conservação do ecossistema e o bem-estar dos habitantes da Amazônia.

Documentos de referência

Proteger a conectividade da Amazônia para garantir o futuro do planeta: a peça que falta na conversa sobre o clima

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Um Pacto Amazônico pelo Clima para evitar o colapso da Amazônia

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Efeitos de uma Amazônia fragmentada na biodiversidade regional

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A RELEVÂNCIA DA ARTICULAÇÃO ENTRE AS REDES REGIONAIS PARA SALVAGUARDAR A CONECTIVIDADE AMAZÔNICA:

A COLABORAÇÃO ENTRE A RAISG E A ALIANÇA NORAMAZÔNICA

Décadas de experiência de trabalho mostraram que proteger a integridade da Amazônia requer unir esforços, conhecimentos e recursos. As dinâmicas de destruição que ameaçam os territórios têm um caráter regional que também nos obriga a propor soluções regionais. Por isso, as organizações da sociedade civil se organizaram para fortalecer o trabalho articulado e potencializar o impacto do esforço colaborativo. Para isso, a Rede Amazônica de Informação Socioambiental (RAISG) e a Aliança Noramazônica (ANA), duas redes regionais que reúnem especialidades de membros com mais de quatro décadas em relação direta com territórios específicos em toda a bacia, trabalham lado a lado para cumprir a visão compartilhada de proteger a integridade da Amazônia, a partir de uma perspectiva complementar. 

A RAISG, rede regional especializada na geração de informações de alta qualidade, junta-se à ANA, formada por organizações da sociedade civil que há mais de 3 décadas desenvolvem processos territoriais lado a lado com os povos indígenas e comunidades locais, com a missão compartilhada de salvaguardar a conectividade em sua dimensão ecológica, social e cultural. Essa união permitiu fortalecer uma voz conjunta, marcos regionais de ação e oferecer insumos para melhorar os processos de tomada de decisão por parte de governos, organizações de povos indígenas e comunidades locais, financiadores e outros atores estratégicos da região.

Essa colaboração também é um convite para que outros atores se juntem a esse propósito compartilhado, com base em suas próprias visões, conhecimentos e ações, todos sob a ideia comum de que só é possível proteger a diversidade que sustenta a vida se partirmos da diversidade que somos e da rede de relações que nos fortalece. A aliança colaborativa entre a ANA e a RAISG demonstra a relevância de abordar a Amazônia a partir de uma visão sistêmica, como uma unidade, a partir da diversidade. Suas visões e ações complementares devem fortalecer uma perspectiva de conectividade em torno deste estudo e são projetadas com grande potencial de colaboração para o futuro.

CONECTEMOS A AMAZÔNIA

UNAMOS FORÇAS PARA SALVAGUARDAR JUNTOS ESTE TERRITÓRIO

Desenvolvimento técnico do estudo:
Adriana Rojas
David Santiago Afanador
Nestor Raúl Espejo

Desenvolvimento conceitual, narrativo e edição:
Angélica García
Felipe Samper
Mariana Gómez Soto

Ilustração e design:
Camila Arboleda

Programação:
Diego Meneghetti