Mudanças climáticas afetam vazão de rios da Amazônia e podem inviabilizar novas hidrelétricas

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O Globo

Estudo de 351 empreendimentos revela que volume de água pode diminuir em 40% na região, reduzindo potencial de geração

 

RIO – As mudanças climáticas ameaçam reduzir a capacidade e elevar os custos de projetos de hidroeletricidade na Amazônia.

Uma análise das 351 hidrelétricas planejadas para a região amazônica, 60% delas no Brasil, mostra que a crise climática afetará em cheio a viabilidade econômica da geração de energia hidrelétrica devido à diminuição das chuvas e da vazão de rios.

Publicado na revista científica Global Environmental Change e liderado pelo brasileiro Rafael Almeida, pesquisador na Universidade de Cornell, nos EUA, o estudo mostra que os efeitos afetarão o Brasil.

Em especial, o sul da Amazônia, onde a vazão dos rios pode cair até 40%, com consequente redução da capacidade das usinas a fio d’água (com baixa capacidade de armazenamento de água para evitar minimizar o impacto da formação de grandes lagos) planejadas.

— Não há dúvida de que as mudanças climáticas vão afetar muito o sistema elétrico. Vimos isso no centro-sul do país, com os efeitos da longa seca. Mas, na Amazônia, também teremos problemas, se não houver planejamento adequado — frisa Almeida.

O estudo projetou a vazão dos rios em função dos cenários de mudança climática do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).

A maioria dos projetos previstos para a Amazônia é a fio d’água. Porém, Almeida explica que as mudanças climáticas tornarão as interrupções por baixa vazão mais frequentes. Será mais difícil operar em plena capacidade.

A consequência será mais que dobrar o custo de 25% das hidrelétricas propostas para a região, tornando-as menos competitivas que outras fontes renováveis, como solar e eólica.

 

Usina Hidrelétrica binacional de Itaipu. A maior do mundo desde a inauguração, em 1984, até o ano de 2012, produz até 14.000 megawatts Foto: Alan Santos / PR

Vista aérea da usina de Belo Monte, a segunda maior do país: capacidade para 11.233 megawatts Foto: Agência O Globo

Vista aérea da usina de Belo Monte, a segunda maior do país: capacidade para 11.233 megawatts Foto: Agência O Globo

Hidrelétrica de Tucuruí, no Rio Tocantins, no Pará, pode produzir até 8.535 megawatts e foi inaugurada no mesmo ano que a de Itaipu, 1984

Hidrelétrica de Tucuruí, no Rio Tocantins, no Pará, pode produzir até 8.535 megawatts e foi inaugurada no mesmo ano que a de Itaipu, 1984

Casa de força e vertedouro da usina hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. Com capacidade instalada de 3.750 megawatts, ela está em operação no Rio Madeira, na Bacia Amazônica, desde 2013 Foto: Agência O Globo

Casa de força e vertedouro da usina hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia. Com capacidade instalada de 3.750 megawatts, ela está em operação no Rio Madeira, na Bacia Amazônica, desde 2013 Foto: Agência O Globo

No mersmo Rio Madeira, está a Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, instalada no rio Madeira, em Porto Velho (RO). Ela tem capacidade para 3.568 MW Foto: Divulgação / Ibama

No mesmo Rio Madeira, está a Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, instalada no rio Madeira, em Porto Velho (RO). Ela tem capacidade para 3.568 MW Foto: Divulgação / Ibama

Hiderlétrica Ilha Solteira, em São Paulo.Em operação desde 1973 Foto: Henrique Manreza / Manreza Imagens / Divulgação / CTG Brasil

Hiderlétrica Ilha Solteira, em São Paulo.Em operação desde 1973 Foto: Henrique Manreza / Manreza Imagens / Divulgação / CTG Brasil

Planejar a longo prazo

Hidrelétricas demandam tempo de planejamento e construção, e muitos projetos propostos só estarão operacionais em meados do século, quando poderão não ser mais custo-efetivos devido às mudanças climáticas, disseram os autores do estudo.

Os cientistas destacam que o planejamento energético não tem levado em conta o impacto da mudança do clima. Normalmente, os projetos são baseados nos históricos hidrológicos dos rios.

O problema é que a crise climática já altera e deve mudar ainda mais a hidrologia. Isso é particularmente grave num país como o Brasil, onde as hidrelétricas representam 60% da matriz energética.

— Projetamos o impacto da mudança do clima na vazão de rios abrangidos pelos projetos de hidrelétricas que constam da cesta de expansão energética da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Não quer dizer que todas serão construídas. Mas há riscos significativos. Inclusive para as que já existem a fio d’água — explica Almeida, acrescentando que a situação de Belo Monte, no Pará, por exemplo, é alarmante.

— Belo Monte foi um erro, um elefante branco na floresta, não produz o que deveria e é muito vulnerável. As usinas a fio d’água são extremamente vulneráveis porque precisam controlar o pulso do rio.

Os cientistas fizeram suas estimativas a partir de dados sobre as vazões máximas e mínimas em condições atuais e futuras. Uma usina precisa operar dentro do fluxo d’água para o qual foi projetada.

Fluxos muito baixos não geram energia e os muito elevados precisam ser expelidos, o que causa problemas e não gera mais energia, explicaram os cientistas em seu estudo. Variações extremas de altos e baixos impedem que as usinas operem na capacidade para a qual foram projetadas.

Até o meio deste século, a vazão dos rios da Bacia Amazônica em que há hidrelétricas projetadas deve ser reduzida entre 13% e 20%. Mas haverá grande variação regional. O declínio será maior no leste da bacia (Amazônia brasileira), variando entre 18% e 23%. E será ainda mais intenso no Sul da Amazônia brasileira, podendo chegar a 40% de redução de vazão.

No entanto, no oeste da bacia (países da Amazônia andina) poderá haver aumento da vazão, em torno de 1,5% a 2,5%. A geração de energia, por consequência, deverá acompanhar essas variações.

Risco de reservatórios

Almeida ressalta que trocar os projetos a fio d’água por outros com reservatórios, a exemplo de Tucuruí, também no Pará, será trocar um problema por outro:

— Reservatórios têm impacto climático na região até maior porque causam desmatamento e se tornam fonte de metano, além de outros problemas ecológicos e sociais. Duvido que a discussão de reservatórios não seja retomada, mas vai esbarrar em financiamento internacional devido ao impacto ambiental.

Os cientistas sugerem que as hidrelétricas sejam planejadas para operar em consonância com fontes solar e eólica para que nos períodos de baixa vazão não haja impacto no sistema elétrico. Eles também propõem que novas hidrelétricas devam ser construídas em locações de fluxos de rios menos irregulares e projetadas para funcionar numa variação de vazão maior do que os históricos indicam.

Texto original disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/macroeconomia/mudancas-climaticas-afetam-vazao-de-rios-da-amazonia-podem-inviabilizar-novas-hidreletricas-25285155

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