Projeto fecha cerco à extração de ouro no garimpo ilegal

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Por Daniel Rittner 

Valor Econômico

11 de março de 2021

Amazônia brasileira

 

Proposta tenta aperfeiçoar sistema para eliminar falhas existentes no rastreamento do metal

 

 

Na tentativa de coibir o garimpo ilegal e seus impactos socioambientais, especialmente na região amazônica, o Congresso Nacional começará a discutir novos mecanismos de fiscalização e controle sobre operações financeiras que hoje permitem transformar o ouro extraído de forma ilícita em movimentação de recursos com aparente legalidade.

Um projeto de lei do senador Fabiano Contarato (Rede-ES) busca criar regras para a rastreabilidade do metal que, de alguma maneira e ainda cheias de falhas, já existem em cadeias como a da madeira e a do gado. A intenção é fechar o cerco ao que muitos ambientalistas chamam de “lavagem” do ouro, no mercado, por meio das DTVMs (distribuidoras de títulos e valores mobiliários).

O Brasil produz em torno de 100 toneladas de ouro ao ano – a maior parte de grandes mineradoras como AngloGold Ashanti, Kinross e Yamana. As operações se concentram principalmente em Minas Gerais e em Goiás. Em 2020, as exportações cresceram 34% e atingiram US$ 4,9 bilhões.

Estima-se que pelo menos um quarto da produção brasileira venha dos garimpos – legais ou não. A Bacia do Tapajós (no sudoeste do Pará), o norte de Mato Grosso (nas imediações do município de Peixoto de Azevedo) e áreas próximas a Porto Velho (RO) e Calçoene (AM) são algumas das regiões mais exploradas.

Hoje trabalhadores do garimpo levam o ouro extraído para postos de compra das DTVMs localizados na Amazônia. Basta ao vendedor mostrar seu documento de identidade, preencher um formulário à mão e declarar a origem do metal, sem a necessidade de qualquer comprovação.

“A partir daí, o que tiver origem ilegal ganha a aparência de legalidade pelo mercado financeiro”, diz Larissa Rodrigues, gerente de projetos e estudos do Instituto Escolhas, uma associação civil sem fins lucrativos que se dedica a discussões sobre economia e sustentabilidade. “Tudo na base da autodeclaração, da boa fé do vendedor, com controle praticamente inexistente. É um prato cheio para ilegalidades e o que chamamos de lavagem do ouro”, acrescenta.

O PL do senador Contarato, elaborado com a assessoria técnica do Instituto Escolhas, fecha o cerco a essa zona cinzenta de negócios. De acordo com a proposta, ao vender o ouro nos postos de compra das DTVMs, os garimpeiros terão que apresentar comprovações do lastro minerário (titularidade da concessão ou permissão da lavra garimpeira) e do lastro ambiental (licenciamento da área onde ocorre a exploração).

Uma situação foi cogitada pelos formuladores do projeto: e se a pessoa que quiser vender ouro extraído de modo ilícito, visando burlar o novo sistema de controle, apresentar lastros “emprestados” de um garimpo legal? Para dificultar essa possibilidade, será instituída uma guia de transporte do ouro (GTO), com informações relevantes: local da extração, quantidade de ouro, caminho percorrido e assunção de responsabilidade pelo detentor da lavra.

Isso permitirá um cruzamento de dados hoje inexistente e abre portas para a autuação de quem atua clandestinamente. Os titulares de concessões ou de lavras precisam enviar à Agência Nacional de Mineração (ANM) um relatório anual de produção. Se ele não bater com o volume comercializado nas DTVMs ou os volumes extraídos forem muito altos, possivelmente encobrindo a produção do garimpo ilegal, o órgão fiscalizador poderá organizar inspeções in loco de suas equipes e detectar potenciais fraudes.

“A falta de controle por parte do governo e do setor financeiro alimenta uma bilionária indústria de extração de ouro que opera, em grande parte, na ilegalidade. Ela pratica toda sorte de crimes e atrocidades, como invasões de terras indígenas e unidades de conservação, desmatamento em larga escala, ameaças e assassinatos de lideranças indígenas e locais, corrupção de autoridades, evasão fiscal, contrabando de mercúrio [usado para separação do ouro], contaminação das águas”, diz Contarato.

Uma investigação feita pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, batizada como Dilema de Midas, apurou que, entre janeiro de 2015 e maio de 2018, foram comprados quase 611 quilos de ouro de origem clandestina por mais de R$ 70 milhões.

Um estudo recente do Instituto Escolhas demonstra que duram pouco tempo – entre três e cinco anos – os impactos positivos da extração de ouro e diamantes sobre indicadores de saúde, educação e PIB per capita nas localidades que abrigam projetos legais na Amazônia.

“A riqueza do ouro está nas mãos de poucas pessoas e o restante da população continua pobre, doente, sem educação. Apesar disso, há ameaça aos territórios indígenas e às unidades de conservação”, afirma Larissa Rodrigues.

Outro levantamento do Escolhas aponta a existência de pedidos de pesquisa para o ouro registrados na ANM pode afetar 6,2 milhões de hectares em áreas protegidas – trata-se do equivalente a duas vezes o tamanho da Bélgica ou 40 vezes a cidade de São Paulo.