Infoamazônia
Aldem Bourscheit
06 de janeiro de 2021
Amazônia brasileira
Estudo da Climate Policy Initiative e da WWF aponta que a paralisia ocorreu após decreto do governo que prometia agilizar pagamento de multas. Não cobrança pode elevar desmatamento.
Decretada pelo governo no início de outubro de 2019 para agilizar o pagamento de multas do Ibama, a conciliação para a solução de sanções a infratores enfraqueceu o combate ao desmatamento. Cerca de 98% de 1.154 autos de infrações emitidos na Amazônia desde 8 de outubro de 2019 estavam paralisados até maio de 2021, quando os dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação. As informações são de um relatório da Climate Policy Initiative (CPI), entidade ligada à PUC do Rio de Janeiro e focada na análise de políticas e finanças públicas, e da ONG WWF-Brasil.
Os discursos de membros do governo de Jair Bolsonaro eram de que a conciliação “agilizaria” o pagamento e outras soluções para multas por crimes contra a natureza. O decreto instituiu audiências conciliatórias obrigatórias antes da execução das penas e foi proposto junto a mudanças na conversão de multas ambientais. Mas repetidas alterações nos processos de autuação, sanções administrativas a servidores públicos, desmonte de órgãos ambientais e atrasos gerados pela pandemia de Covid-19 praticamente congelaram a ação de fiscais e os julgamentos de autos de infração. A situação foi denunciada por servidores do Ibama ao Tribunal de Contas da União.
“A mudança foi supostamente proposta para agilizar os processos, mas a promessa não foi cumprida. Faltou planejamento e recursos financeiros e humanos para implantar a conciliação ambiental. Sua regulamentação foi atabalhoada, tardia e com regras mudando continuamente”, ressaltou Joana Chiavari, diretora da Climate Policy Initiative (CPI).
As audiências para conciliação entre infratores e órgão ambiental deveriam ter começado já em outubro de 2019, mas sua regulamentação só ocorreu em janeiro de 2020. Os servidores para os chamados “Núcleos de Conciliação” foram indicados apenas em setembro de 2020, 11 meses após a edição do decreto federal. As audiências só começaram no início de 2021.
O procedimento administrativo de sanções do Ibama envolve várias etapas. É baseado em monitoramento, fiscalização e autuação, quando um fiscal emite um auto diante de um desmatamento ilegal ou outro crime ambiental. Depois, ocorrem a conciliação ambiental, a apresentação de defesa pelo suposto infrator, o julgamento do auto e a execução das penas.
A análise da CPI e WWF-Brasil revela que o número de autos de infração ligados ao desmatamento na Amazônia caiu para menos de um terço do nível de 2015. Já a quantidade de áreas embargadas caiu mais de 90% em relação ao registrado em 2013. Outro problema identificado foi o sumiço de dados sobre o tamanho das áreas autuadas e dos processos sobre autos de infração. O apagão de informações públicas ambientais no governo Bolsonaro foi denunciado no InfoAmazonia.
“Faltam dados sobre áreas desmatadas em 30% dos autos de infração e até quanto aos limites de áreas embargadas. Não sabemos se isso tudo é intencional ou causado por problemas técnicos, mas é uma grave limitação à transparência de informações públicas e a políticas de combate ao desmatamento”, destacou Clarissa Gandour, doutora em Economia pela PUC-Rio, coordenadora no CPI e colunista do PlenaMata.
O levantamento mostra que nem mesmo os maiores desmatamentos e multas aplicadas foram cobrados pela autarquia federal nos últimos 13 anos. Desde 2008, as 15 maiores autuações aconteceram no Pará e no Mato Grosso e somam mais de 4.000 km² desmatados, equivalentes a 2,5 vezes à área da cidade de São Paulo.
As dez multas mais elevadas no mesmo período passam dos R$ 386 milhões, mas nenhuma foi paga. O calote em penalidades é histórico. InfoAmazonia e Intercept Brasil revelaram que multas ativas na base do Ibama somaram R$ 59,3 bilhões de janeiro de 1980 a agosto de 2019.
O congelamento da fiscalização e do julgamento de autos de infrações pode resultar na escalada do desmatamento da Amazônia em 2022, com eleições gerais agendadas para outubro. As perdas acumuladas de floresta tropical nos três anos de governo Jair Bolsonaro são de 34.215 km², área maior que a da Bélgica. A Amazônia Legal perdeu 13.235 km² de floresta entre agosto de 2020 e julho de 2021. As perdas foram 22% maiores que os 10.851 km² desmatados em 2020, já um recorde nos últimos 12 anos.
Clarissa Gandour, da PUC-Rio, analisa que o enfraquecimento do controle ambiental ao longo dos anos levará a um agravamento do desmatamento e de outros impactos socioambientais no país este ano. Para ela, a destruição da floresta e outras ilegalidades só serão revertidas com uma guinada nas ações de controle pelos órgãos públicos. “O monitoramento por satélites precisa de uma fiscalização rápida, equipada e que imponha um alto custo para quem descumpre a lei”, defendeu.
O Ibama não respondeu aos nossos pedidos de entrevista até o fechamento da reportagem.
Recomendações para melhorar a gestão dos processos por desmatamento na Amazônia
– Regulamentar de forma mais efetiva a etapa de conciliação ambiental
– Elaborar uma estratégia capaz de solucionar os problemas com a notificação dos mais de 900 autos de infração paralisados
– Identificar todos os autos de infração em que houve renúncia tácita das audiências de conciliação e promover imediatamente a instrução processual para julgamento em primeira instância
– Priorizar o andamento dos 13 processos administrativos relativos às maiores áreas desmatadas e maiores multas aplicadas por desmatamento ilegal ocorridos na Amazônia desde 2008
– Diagnosticar as causas para a demora excessiva nos processos administrativos por desmatamento na Amazônia
– Adotar boas práticas para a sistematização e publicação de dados.
Fonte: CPI/PUC-Rio e WWF-Brasil
Reportagem do InfoAmazonia para o projeto PlenaMata.
Texto original disponível em: https://infoamazonia.org/2022/01/06/multas-ibama-paradas-amazonia-desde-2019/